Terça-feira, 22h30. Ouvem-se risadas saindo de um bar na Avenida República Argentina, no bairro Água Verde, em Curitiba. No entanto, não são as costumeiras gargalhadas isoladas ou desorganizadas, típicas da vida noturna. Elas vêm em ondas.
O local está lotado. São cerca de 800 pessoas, quase a capacidade máxima da casa. No palco, apresentações solo de comediantes que misturam personagens, monólogos e piadas. Tudo para fazer rir. É o “Cabaré” do bar “Era só o que Faltava”, projeto do comediante curitibano Diogo Portugal, 38 anos, e que lota o estabelecimento há três anos e meio.
Para se ter idéia da dimensão que as apresentações tomaram nesse tempo, o lugar ficou pequeno para o público das terças. O palco onde ocorrem as apresentações está dentro de um antigo barracão, onde cabem cerca de 20 mesas, que evidentemente não são suficientes. O bar ainda tem mais quatro ambientes, e em cada um deles é montado semanalmente um telão para que o público possa acompanhar o que acontece “em cena”.
É lá que se revezam os comediantes e humoristas ao longo de duas horas. Falam basicamente sobre coisas simples: uma carona de carro, um peixe no aquário, a fila de um banco, etc. Já as personagens são um pouco mais esdrúxulas: um surfista de valetas de Colombo, uma prostituta empresária, um officeboy descolado, etc. Mas tudo tem por base a mesma conversa entre público e platéia, num misto de teatro e stand-up comedy.
Um pulo no passado
É raro alguém que não tenha visto uma comédia no teatro. Já a stand-up comedy dificilmente é encontrada no Brasil, pelo menos em sua forma mais tradicional. Trata-se de uma espécie de monólogo cômico, onde o humorista se apresenta de pé (por isso stand-up), geralmente sozinho num palco sem cenário. Apenas ele, a platéia, um microfone e o pedestal.
Dizem que o gênero tem origem nos Estados Unidos, a partir de várias formas de entretenimento e comédia presentes no século 19. No entanto, é somente em 1920, na era dourada do rádio, que ele ganha contornos mais sólidos, devido a interferência de três humoristas.
Jack Benny, Bob Hope e Fred Allen (não, não é parente do Woody Allen) são considerados pais do stand-up comedy e os números cômicos em seus programas radiofônicos o marco zero. Os três vinham da tradição do teatro Vaudeville, um gênero de espetáculos de comédia leve e ingênua, baseada principalmente em erros e equívocos. Os programas geralmente iniciavam com um monólogo cômico e partiam para números musicais e quadros humorísticos, muitas vezes com convidados. Mas é devido aos temas abordados que eles ganharam o título de pioneiros: eram coisas simples, do cotidiano, que se tornavam material para improvisações ou discussões, como um filme ou um aniversário esquecido.
Já nos anos 1960 o stand-up perde um pouco da inocência que o acompanhava desde o Vaudeville. Os temas explorados começaram a ser a política, a questão dos gêneros sexuais e raça, por exemplo. Não era raro o tom satírico e até sombrio dos monólogos. No entanto, foi nos anos 1970 que ele realmente cai nas graças do público, se tornando, ao lado da bandeira nacional e da Coca-Cola, um dos símbolos dos Estado Unidos.
Exageros à parte, o sucesso que o gênero fez logo foi aproveitado pela televisão e o cinema, que serviram muito bem para ampliá-lo ainda mais. Na telinha, programas como “Saturdey Night Live” e “The Tonight Show“ fizeram a cabeça dos americanos nos anos 1980. Nos anos 1990 foi a vez da série “Seinfeld“ despontar e ganhar uma legião de fãs.
Aqui vale abrir um parênteses. Essa sitcom contava o cotidiano ficcional do comediante stand-up Jerry Seinfeld, que intrerpretava ele mesmo, com seus amigos George Constanza (Jason Alexander), Cosmo Kramer (Michael Richards) e sua ex-namorada Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus). A série inteira durou 180 episódios ao longo de oito anos e é considerado um marco da tevê mundial. O ultimo capítulo, exibido em 1998, contou com a audiência de 76 milhões de pessoas, um recorde. Tudo isso numa comédia que tinha por tema o nada, como os próprios idealizadores, Seinfeld e Larry David, gostavam de rotular. Fecha parênteses.
Já o cinema criou grandes nomes da comédia com humoristas saídos dos palcos noturnos do stand-up comedy. Alguns deles: Steve Martin, Robin Willians, Matin Lawrence, Eddie Murphy, Woody Allen, Jim Carrey e Chris Rock.
Nos dias atuais, o stand-up comedy continua a ser referência. A cidade de New York é, e sempre foi, o principal pólo deste gênero. No entanto ele já foi tão divulgado que é possível encontrar um bom show de stand-up em muitas cidades, inclusive em Curitiba.
De volta para o futuro
Os humoristas fazem seus agradecimentos finais. A apresentação foi boa e contou com muitos convidados, o que gerou uma certa distorção da apresentação convencional das terças. Pelo lado bom, foram apresentadas várias formas de humor diferentes. Pelo lado ruim, os números de stand-ups foram minoria (apenas dois) perto dos que apresentavam personagens.
Em um deles se apresentou Oscar Filho, 26 anos, um convidado de Diogo Portugal de São Paulo. “Mesmo sendo de sampa procuro adaptar as piadas ao local, como no caso da piada do carro. Pergunto pro pessoal antes do show, aonde é um lugar bem longe por aqui?”, afirma Oscar, se referindo uma das piadas de sua apresentação em que se surpreendia ao levar uma menina para Colombo.
Quando perguntados sobre quem preferiam, Woody Allen ou Jerry Seinfeld, a resposta é rápida. “Seinfeld, claro. Ele é mais simples. Woody floreia demais. O stand-up é a observação do cotidiano”, afirma Diogo.
Ao que parece a fórmula da simplicidade funciona muito bem, pois o público sai satisfeito. James Souza diz que não se cansa de ver o show. “Já é a décima vez que venho ver. É sempre diferente”, afirma o advogado de 39 anos. Diz ainda que já viciou muitos amigos, que vieram até mais vezes que ele.
Já o casal Marcio e Alessandra Ortega, 35 e 30 anos, respectivamente, vieram pela primeira vez, mas dizem já conhecer as risadas. “Moro aqui do lado. Ficava tentando ouvir as piadas do meu apartamento e não conseguia. Tive que vim para ver do que as pessoas riam tanto”, diz Marcio.
Parece que além de simples, o stand-up é também um bom negócio.
Texto originalmente publicado na revista (sic!).
Grande Celso.
Pefeita análise.
Eu que conheço o evento do Diogo Portugal no Erasó o que faltava me senti lá.
Grande abraço meu amigo!