O que está acontecendo? Será o fim dos tempos? Woody Allen trocou Nova York por Londres, o Jazz pela ópera e pela música clássica, e ninguém acha estranho?
O diretor de cinema e escritor Woody Allen, hoje com 65 anos, é um dos mais conhecidos nova-iorquinos, tendo inúmeras vezes declarado seu amor pela Big Apple. E também não é de abrir mão do Jazz em seus filmes. Será que a idade está começando a afetar seus critérios?
Tudo começou com o drama “Ponto Final – Match Point” (Inglaterra, 2005), que conta a história de Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers), um professor de tênis disposto a subir na vida. Ele vai para Londres para dar aulas em um clube de ricaços e acaba ficando amigo de um de seus alunos, o playboy Tom Hewett (Matthew Goode). Acabam descobrindo um gosto em comum: as óperas.
Convidado para conhecer o camarote da família, Chris conhece a irmã de Tom, Chloe (Emily Mortimer) e, no decorrer dos encontros para os quais Tom sempre o convidada, se envolve com ela – cabe dizer, mais por interesse do que por amor. No entanto, Chris conhece também a noiva de seu amigo rico, a provocante Nola Rice (Scarlett Johansson), por quem se apaixona.
Em uma destas festas, Nola bebe demais e Chris não perde a oportunidade de investir. Eles acabam tendo um caso. No entanto, não demora muito e Tom, sem descobrir nada, simplesmente se cansa e dá o fora em Nola. Confuso? Sim, parece enredo de novela mexicana. Mas no filme até que não fica tão ruim.
Continuando. Tempos depois, já com Chirs e Chloe casados, e ele num importante cargo na empresa do pai dela, Nola reaparece. Chirs a reconhece na rua e, papo-vai papo-vem, Nola se tona sua amante oficial. No entanto, quando tudo ia bem, uma gravidez inesperada pode por em risco o que foi construído por Chris. Deste ponto pra frente não vou continuar, senão o filme perde a graça.
“Ponto Final – Match Point” foi considerado pela crítica o melhor dos filmes de Woody Allen, uma ótima oportunidade perdida por Nova York, já que a cidade é muito mostrada na fita. Na opinião deste cinéfilo aqui é apenas o melhor de seus dramas, mas não chega perto da melhor de suas comédias. Mostra um cineasta maduro, certo do que quer, e recuperado da discussão se é melhor fazer drama ou comédia – presente no filme anterior, “Melinda e Melinda” (EUA, 2005). Além disso, apesar das concessões em seu estilo (principalmente a ópera e a nova cidade), ele mantém características sólidas, retomando as discussões de destino e sorte. Esta última, principalmente, muito presente em sua filmografia.
No entanto, apesar do sucesso e após as filmagens, era de se esperar que Allen fosse voltar a sua cidade, ao Brooklin, mas não foi o que aconteceu. Ele continuou filmando por lá e o resultado é “Scoop” (Inglaterra, 2006), ainda sem título em português. O mais novo trabalho de Allen já está em cartaz na Europa e nos Estados Unidos desde julho de 2006 e, infelizmente, deve chegar no Brasil somente em fevereiro de 2007.
“Scoop” é uma comédia ligeira, quase uma comédia de erros ao estilo Shakespeare, e marca a volta de Allen ao elenco – ele não atuava em seus filmes desde 2003. O 36.º filme da carreira do diretor conta a história da estudante de jornalismo Sandra Pransky (Scarlett Johansson) que recebe a dica de um furo (scoop em inglês) do espírito de um famoso repórter investigativo, Joe Strombel (Ian McShane). Essa visita inesperada acontece dentro de uma caixa de mágica no meio de um show do atrapalhado mágico Splandini (Woody Allen), que logo se vê envolvido com a história e tenta ajudar Sandra nas investigações.
O furo é sobre um assassino serial que ataca prostitutas. Segunda a informação que o espírito de Strombel dá, o assassino seria o aristocrata britânico Peter Lyman (Hugh Jackman). No meio da investigação a moça acaba se apaixonando pelo investigado e… bem, também não vou continuar.
A verdade é que “Scoop” é das comédias menores de Allen. Embalado pela música clássica mais uma vez, é um filme para ver sem grandes pretensões, diferente de “Ponto Final – Match Point”. No entanto o diretor se mostra tanta segurança na direção que isso se reflete num filme corretíssimo dentro de sua proposta. Além disso, Allen prova que pode transitar tranqüilamente entre os gêneros, sem temores. Mais um indício da maturidade adquirida.
O que motiva toda essa divagação é se Allen estaria perdendo seus critérios, seu estilo, ao se transportar para Londres. Ao que parece, pelos dois filmes até agora, não. E até onde se sabe, ele continua rodando por lá – portanto logo teremos a chance de conferir mais filmes e verificar se é isso mesmo.
A questão para mim gira em torno da segurança que o diretor Allen demosntra no seu atual estado de maturidade. Ela aparentemente permite mudanças sem perder o estilo, coisa que poucos conseguem. Mas se olharmos mais de perto, vemos que não muda muita coisa efetivamente.
A Londres retratada em “Ponto Final – Match Point” é igual a Nova York de Allen. O diretor usa os mesmo quadros, os mesmos movimentos de câmera, o mesmo tipo de interação com a cidade paisagem, ainda que esta não seja a mesma. É uma simples transferência de local, no entanto tudo que ele vê é a mesma cidade em que foi criado. No final das contas, Woody saiu de Nova York, mas a cidade não saiu de Woody.
Com o Jazz acontece o mesmo. A música muda, mas o uso que o diretor faz dela ao longo da fita é igual. Isso fica particularmente claro em Scoop, filme no qual a música clássica guarda até semelhanças rítmicas com o Jazz.
Portanto, nesta troca só quem sai perdendo é Nova York, que deixa de ser mostrada concretamente por Allen, apesar de ainda estar presente em espírito e no olhar do diretor.
Texto originalmente publicado na revista (sic!)
Nunca fui grande admirador do Woody, mas vou dar mais uma chance com esse Match Point.
A análise, como era de se esperar, está completinha!
Feliz 2007 Mr. Celso!
Abração!