Em abril deste ano, aconteceu o 4º Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cerveja, organizado pelo Instituto da Cerveja, em que participei pela primeira vez e terminei em 5º lugar. Os 10 primeiros colocados foram indicados pelo Instituto para participar do 5º Campeonato Mundial de Sommelier de Cerveja em setembro, organizado pela Doemens, que ocorre a cada 2 anos. O local do Campeonato é intercalado sempre entre Munique e em alguma cidade que sempre varia. O motivo disso é que a cada 4 anos ocorre em Munique a drinktec, a maior feira de bebidas do mundo. Em 2015 o Campeonato foi em São Paulo, mas nesse ano foi mais uma vez em Munique, por conta da feira.
O 5º Campeonato Mundial de Sommelier foi a edição com o maior número de competidores e com mais países representados, foram 70 Sommeliers de 15 países diferentes. Enquanto havia delegações com quase 20 competidores, como no caso da Alemanha, Áustria e Suíça, tinham também países representados por apenas 2 ou mesmo 1 único Sommelier, como no caso dos EUA e do México, respectivamente. O motivo disso é que em alguns dos países competindo não há cursos de Sommeliers de Cervejas vinculados à Doemens ou simplesmente não possuem Sommeliers suficientes para a realização de um campeonato nacional prévio ao mundial, como ocorre aqui. Por isso, os competidores desses países eram sommeliers que se formaram na própria Doemens de Munique e foram alunos destaque nas suas respectivas turmas, convidados pela própria organização para competir.
Na noite anterior à prova, fomos todos de ônibus para a cervejaria Ayinger, a 30 km de Munique, para um jantar especial de confraternização e para a cerimônia de abertura. O evento aconteceu na própria sala de brassagem da cervejaria, com um buffet de pratos bávaros típicos e quase todos os rótulos da Ayinger disponíveis à vontade em chope e em garrafa. Uma enorme tentação, mas tivemos que nos segurar para não exagerar na quantidade, já que no dia seguinte precisávamos estar às 8h embarcando no ônibus para ir paro o Campeonato (não duvido que fazer uma cerimônia dessas na véspera deve ter sido parte da estratégia do time alemão para derrubar os concorrentes! ;o) ).
A primeira parte do 5º Campeonato Mundial de Sommelier foi a identificação de off-flavors, ou seja, defeitos sensoriais provenientes de produção e armazenamento inadequado. Enquanto que no campeonato nacional recebíamos 5 amostras para escrever os defeitos percebidos, no mundial foram 10 amostras, numeradas, junto com uma ficha de 30 possíveis off-flavors para serem preenchidos de 1 a 10.
A segunda parte do campeonato foi uma prova de múltipla escolha de 50 questões para serem resolvidas em 50 minutos. As perguntas tinham sempre 4 alternativas e abrangiam todo o universo cervejeiro, como: produção, estilos, história, harmonização e mercado. Era bem similar à prova do Campeonato Brasileiro, porém com um nível de dificuldade maior e com mais perguntas sobre dados atuais de mercado, como por exemplo, responder qual foi o consumo de alfa-ácidos na indústria cervejeira mundial no último ano, ou quantos hectolitros de cerveja foram consumidos na República Tcheca no último ano. Não me pergunte as respostas porque eu dei um belo chute para as duas.
Todos os competidores tinham a opção de realizar as provas traduzidas para o seu idioma. Nós 10 escolhemos fazer em português, mas logo vimos que a tradução não passou pela revisão de um brasileiro, pois continha diversos termos que foram traduzidos ao pé da letra, como “cerveja branca”, onde era para estar escrito Weissbier e “cerveja escura”, onde era para estar escrito “Dunkel”; detalhes, mas que acabam desconcentrando um pouco. Havia também uma questão no meio da prova que passou despercebida pela organização e que não foi traduzida. A prova precisou ser rapidamente interrompida para que a Cilene Saorin, responsável pela comissão brasileira, pudesse ler em voz alta a questão traduzida para nós.
Na terceira e última parte da fase classificatória do 5º Campeonato Mundial de Sommelier, a prova era de identificação às cegas de estilos. Foi o mesmo esquema da prova de off-flavors: 60 minutos de prova para 10 amostras e uma ficha com 30 rótulos considerados referências de estilos, para serem preenchidos de 1 a 10. A princípio parecia mais simples do que a prova do campeonato nacional, em que você precisa escrever o nome do estilo sem nenhuma “cola”. Mas é difícil dizer qual tem o maior nível de dificuldade, pois dentre os 30 possíveis rótulos da ficha, não havia nada que fosse absurdamente fora da curva em relação às 10 amostras.
O copo utilizado para ambas as provas foi o Verkostungsglas, da marca austríaca Mäser, que para mim, também dificultou um pouquinho mais. As doses eram em torno de 60ml e o formato diferenciado desse copo cria nos últimos goles uma distância muito maior da cerveja até o nariz, em comparação com uma taça ISO ou com a taça Sensorik, da alemã Sahm, geralmente usada por sommeliers na Alemanha, que é similar ao design da prestigiada ítalo-alemã TeKu, da Rastal. E considerando que a Sensorik foi usada na semi-final e final, não entendi por que não a usaram nas etapas anteriores também.
Apesar do Campeonato Brasileiro ter especificado que o guia de estilos utilizado para a prova seria o Brewers Association 2017, no Campeonato Mundial de Sommelier isso não ficou claro. A ficha tinha estilos que não estão presentes nem no BA 2017 e nem no BJCP 2015, como “Belgian-Style Amber Ale”. Mas como ela apresentava a foto do rótulo em questão, junto com seu respectivo estilo, esse detalhe acabou não sendo um problema.
Após essas 3 provas, as 10 maiores pontuações na média foram classificados para a semifinal. Essa etapa foi uma novidade implementada no 5º Campeonato Mundial de Sommelier, que não aconteceu nas edições anteriores. É praticamente igual à final, mas foi inserida com o objetivo de selecionar os mais preparados para se apresentarem no palco e evitar possíveis constrangimentos na hora da final, aberta ao público e à imprensa. A ordem das apresentações foi sorteada e consistia em receber uma cerveja e apresentá-la ao público. Os competidores não assistem às apresentações anteriores e só descobrem qual é a cerveja no momento em que sobem no palco. A cerveja era a Guinness Draught em lata e os competidores tinham que falar tudo o que conseguiam se lembrar no momento sobre o rótulo, o estilo, curiosidades sobre a marca e a cerveja, sugestões de harmonização e descrição sensorial completa, tudo dentro do tempo determinado.
Após essa fase, os 6 Sommeliers que fizeram as melhores apresentações seguiram para a finald o Campeonato Mundial de Sommelier, que era basicamente a mesma coisa, sendo que desta vez eles tinham a opção de escolher entre 3 rótulos revelados no momento em que subiam ao palco e também fazer o serviço para os 8 jurados, para que eles pudessem acompanhar a descrição sensorial junto com o competidor. Esses 3 rótulos também mudavam sempre que começava uma nova apresentação, para que ninguém apresentasse a mesma cerveja. As 6 cervejas escolhidas foram: Estrella Damm Inedit, DeuS Brut des Flanders, Aecht Schlenkerla Rauchbier Märzen, Orval, Thomas Hardy’s Ale e Goose Island Bourbon County Brand Barleywine. Todos os 6 se saíram muito bem e não deve ter sido fácil para os 8 jurados chegarem a um consenso.
Participar do 5º Campeonato Mundial de Sommelier foi uma experiência incrível, ainda mais representando o Brasil em outro país. Eu era o competidor mais jovem dessa edição e foi uma honra competir ao lado dos outros 9 Sommeliers brasileiros classificados e conhecer e aprender com tantas pessoas experientes de outros países, que são tão ou mais apaixonadas por cerveja do que eu.
Pela segunda vez tivemos um brasileiro no pódio do Campeonato Mundial de Sommelier e tenho a impressão que daqui para frente isso será cada vez mais frequente. Visto que o Campeonato Nacional organizado pelo ICB passará agora a ser a cada dois anos em vez de anual, acho que seria válido para os organizadores repensarem seu formato para 2019. O fator mais legal do Campeonato Nacional é a chance que ele dá para competir no Mundial e acredito que deixá-lo mais parecido com o formato usado pela Doemens, como o Campeonato Nacional Alemão faz, poderia servir como uma espécie de simulado e aumentar ainda mais as chances de brasileiros chegarem longe, que iriam para o Mundial já sabendo o que irão encontrar.
* Esse texto é uma contribuição para o BarDoCelso.com feita pelo Gabriel Rocha, designer gráfico, cervejeiro e sommelier de cervejas, 5º colocado na 4ª Edição do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas, realizado em 2017.