O brasileiro sempre carregou em seu DNA os genes da audácia e da inovação – algo que vemos com grande força no mercado cervejeiro nacional. Umas das novas cervejarias que nos confirma esse cenário é a cigana Morada Cia Etílica (de Curitiba-PR) que há cinco anos vem escrevendo sua história nada convencional no mundo cervejeiro. E o autor dessa história é André Junqueira, mestre cervejeiro que também acumula experiência como destilador. Ou seja: um profissional com grande capacidade de produzir os mais variados e interessantes sabores de bebidas. E as novidades que ele traz para o mercado levam o nome de “Delícias ácidas de verão”, uma coleção composta por duas cervejas de linha e uma sazonal: a Cupuaçu Sour, a CDB (Cu de Burro) e a Abera Base.
Em bate papo exclusivo para o Bar do Celso, Junqueira revelou que seus projetos e os da Morada Cia Etílica não param por aí. Afinal, surgirão no mercado logo mais os seus destilados (com inspiração amazônica) e uma produção de gin. E essas novidades não são apresentadas como novas bebidas, mas sim como a nova coleção da arte líquida da Morada Cia Etílica.
Mas antes da entrevista, vamos conhecer um pouco sobre essa nova coleção lançada em setembro (em eventos que já aconteceram em Curitiba e São Paulo) que afirma ser “diferente de tudo o que você já experimentou”.
Cupuaçu Sour
Inspirada em uma “Oatmeal Berliner Saison”, leva aveia ao invés de trigo e tem polpa de cupuaçu. É extremamente ácida, seca, frutada e refrescante. Com 5,5% de álcool, só maltes claros foram usados nessa cerveja que tem 7 IBU’s.
Morada CDB
A sigla remete ao folclórico “cu-de-burro” – pedida clássica dos botequeiros que misturam suco de limão e sal (na borda da latinha ou em um copo americano), para deixar a cerveja mais refrescante.
Esta cerveja é inspirada na “Oatmeal Gose Saison” outro estilo alemão de cerveja acidificada que apresenta leve toque de sal marinho. A CDB leva cascas de limão tahiti na fervura (que serve para temperar e dar notas cítricas à bebida), além do lúpulo Sorachi Ace que confere notas florais cítricas lembrando limão. Essa cerveja tem 4,8% de álcool, final seco e um perfume bem interessante. Possui 8 IBU’s.
Abera Base
Esta é uma cerveja dois em um. A receita foi desenhada por André Junqueira, por Brian Strumke (da marca americana Stillwater) e por Fernando Camargo (da Vinícola Franco Italiano). O resultado é uma cerveja com base acidificada, 9,5% de álcool e fermentação com uma levedura selvagem especial que gera aromas tropicais frutados maduros e complexos. Inclusive, o Brian nunca tinha feito nada com o método de champenoise e ficou encantado quando provou a Double Vienna – momento em que os cervejeiros começaram a desenvolver esta receita que contou com a troca de experiências de ambos.
Seu lote foi dividido em duas partes. Uma foi para a vinícola – onde vai passar de dois a três anos em processo de espumatização até que fique pronta e se transforme em champagne. A outra parte foi engarrafada antes do processo de espumatização. De modo que a Abera Base está sendo lançada agora e a Abera Brut poderá ser degustada apenas daqui a um tempo. “Gostamos da experiência com a Double Vienna Brut (outra cerveja champenoise da Morada) e decidimos criar algo ainda mais surpreendente”, explica o cervejeiro cigano que pacientemente vai esperar pelo resultado de sua nova criação.
A Abera é uma homenagem ao apelido carinhoso que os paranaenses deram para a cerveja e tem 28 IBU’s desta que pode ser considerada uma cerveja High Strong Golden Sour fermentada com Brett.
Muito prazer, Cia Etílica Cigana!
André nos revelou que estas novas produções colocarão no mercado a Companhia Etílica Cigana que terá como foco as pesquisas de sabores brasileiros para o desenvolvimento de bebidas de interesse cultural, gastronômico e artístico. “Assim não ficamos presos somente no líquido indo além e pensando em conceitos de criação com estilos e resultados inovadores e, em algumas vezes, ainda não obtidos”.
A Companhia Etílica Cigana entrará no mercado com muita divulgação, mas a Morada Cia Etílica não ficará de lado por ser um projeto autoral. “Ela não será desvinculada em momento nenhum da minha pessoa, das minhas ideias e das minhas opiniões. Mas essa nova Companhia surge como chance de ser uma fuga”, comenta André Junqueira que começou a fazer cerveja em casa como válvula de escape.
Outra intenção de André é colaborar com cientistas, produtores, artistas, gente de outras esferas e até muito mais gente do que o pessoal do mundo cervejeiro sem o grande enfoque para ações de marketing, mas sim de poder aprender mais com essas pessoas que podem ensinar muito também neste projeto totalmente interdisciplinar.
Mas por que lançar essas cervejas como coleção?
A ideia de Junqueira foi de fazer esse lançamento como uma coleção para valorizar essa técnica de produção de Sour Beer’s que é uma adaptação do que se fazia na época medieval alemã de se fazer Geuze, Liechtensteiner e Berliner Weisse quando se faziam acidificações mais jovens, mais rápidas e no começo da produção elas não são envelhecidas. “Essa adaptação nos permite fazer isso numa cervejaria moderna sem perigo de contaminação e tem custo baixo em comparação a outro processo de acidificação que requer tempo de envelhecimento, barris e tudo mais”, explica o alquimista etílico.
Futura linha de produtos
A Companhia Etílica Cigana vai além das cervejas e produzirá uma linha de sidras de fermentação espontânea, sem adição de levedura, que será produzida em Caxias do Sul (RS) pela Vinícola Cia Piagentini. Serão três rótulos envasados em garrafas Long Neck (de 355 ml) com um ar de sidras modernas dentro do conceito craft com marcantes fescor e acidez. As bebidas serão também produtos de linha com preço agradável porque o nível de produção da vinícola é maior – o que gera maios eficiência gerando menor custo final para o consumidor. Serão três sabores: abacaxi com flor de hibisco, melado de cana com maturação em amburana e uma lupulada, com dry hopping de lúpulos aromáticos.
Também terão a linha de destilados de inspiração amazônica em parceria com a Cabôca Cervejaria que é um brewpub/destilaria (para 500 pessoas sentadas) que está sendo construído em Belém do Pará na frente da Estação das Docas do Mercado Ver O Peso. O local terá 1.500 m² da área construída com uma máquina tribloco da Egisa de 2 mil litros e 12 tanques além de um alambique híbrido para produção de cachaça, rum, uísque, vodca, gin, absinto, uísque branco, entre outras bebidas. A casa será inaugurada no dia 12 de janeiro na festa de 400 anos de Belém e esse projeto será um marco no mercado nacional.
Todas as produções utilizarão ingredientes da floresta no local que contará também com um centro de cultura e espaço para promoção de eventos artísticos, apresentações, workshops…
É nesse espaço que será desenvolvida a linha de destilados da Cabôca by André Junqueira e para 2016 também está nos planos de Junqueira produzir hidromel. “Pretendo fazer tanto os mais porradas quanto ou mais leves num setor parecido com o das sidras”, comenta.
A grande fabricante de copos Cristal Blumenau também propôs para André o desenvolvimento de copos com design exclusivo para todos os rótulos de linha. “Achei muito bacana essa proposta e vamos produzir. Mas como eu não tenho estrutura para a distribuição dos copos, vou usar a estrutura deles para a venda tanto em PDV quanto no e-comerce”.
Mercado internacional
Além de todas essas novidades, André Junqueira também está começando a desenvolver trabalhos em parceria com algumas colaborações de profissionais gringos.
A primeira parceria foi com a belga Fantôme onde produziu uma cerveja com especiarias amazônica. Aí no final deste ano (2015) sairá uma cerveja produzida com a Stilwatter lá nos Estados Unidos com Amburana para uma Sour que será mais escura, com notas caramelizadas e especiarias amazônicas. Ainda em setembro será produzida uma Wheat Sour fermentada em dorna de madeira com uma cultura contínua de brett e bactérias, pimenta rosa e maracujá no brewpub The Other Half (do Brooklyn em Nova York). Outra parceira será com a Against The Grain (do Kentucky) em que vão defumar os maltes para fazer uma Wheat Wine (com em torno de 10,5% de teor alcoólico) defumada com madeira brasileira e envelhecida em barril de Bourbon.
Dois “Hidromel” serão produzidos com a Bee Nectar (de Detroit). Um será mais para sobremesa não tendo gás e apresentando 14% de álcool – inspirado nas bebidas dos Astecas que tomavam com sementes de cacau, pimenta defumada, canela e baunilha. E um mais pensando em ter maior drinkability – tendo mais frescor com cerejas que darão certa acidez e um toque da lasca da Amburana no final para dar um complemento para o sabor. Todos serão distribuídos por lá, mas “dependendo de como o negócio for fluindo por lá, pode ser que venham para cá”. Essa linha será lançada no inverno de 2016.
André Junqueira também revela que terá esquema de produção e distribuição nos Estados Unidos. “Finalmente conseguimos fechar um contrato para produzir no Colorado e para distribuir através da Twelve Percent Imports – que já está presente em mais de 40 estados e tem um fôlego de distribuição muito grande, além de já produzir com algumas marcas ciganas que produzem cervejas complexas e conceituais. Sendo, portanto, um perfeito playground de entretenimento para nós cervejeiros”.
André também está produzindo novas cervejas que estão sendo apresentadas como protótipos: a Lupulácida e a Amburana Sour que demonstram o potencial do método de acidificação.
Confira no link abaixo o vídeo que conta um pouco mais da história de André Junqueira, da Morada Cia Etílica e de suas mais novas (e inusitadas!) criações.