“O pão e cerveja são o alimento da vida”,
Cornelius Schrevelius, em Lexicon Manuale Graeco-Larinum Et Latino-Graecum.
Você já deve ter ouvido alguém dizer que “cerveja é o pão líquido” certo? Em parte, isso se deve ao fato de que a produção de ambos tem muitas similaridades e os dois alimentos sempre estiveram historicamente muito próximos.
Especula-se que a cerveja tenha sido descoberta acidentalmente, fruto da fermentação não induzida de algum cereal. Os sumérios e outros povos teriam percebido que a massa do pão, quando molhada, fermentava, ficando ainda melhor. E assim apareceu uma espécie primitiva de cerveja, desde o início como “pão líquido”.
A arte de fazer pão é uma tradição que Rene Eugenio Seifert Junior, professor universitário de Administração, apaixonado pela panificação e responsável pelos pães vendidos aos sábados na cervejaria Bodebrown, vem se dedicando ao longo dos anos. Quem já provou da suas obras-primas, sabe que ele é um expert e tem muito a ensinar. Em conversa com Rene, descobri um pouco mais sobre a união entre pão e cerveja e como nasceu o envolvimento dele com as duas coisas.
No final da entrevista, confira uma receita exclusiva de pão e cerveja: com malte úmido e levedura de cerveja!
Como começou seu envolvimento com a fabricação de pães?
Eu tenho a memória de fazer pão em casa. Meu pai fazia. Naquela época não havia tantas panificadoras disponíveis. No entanto, a única função minha e dos meus irmãos era rodar um cilindro (risos). Em 2006 fomos morar na Inglaterra e a qualidade do pão de lá era infernal. Me incomodava aquele pão sem sabor. Então decidi tentar fazer eu mesmo. Fui ao supermercado e comprei farinha, li a receita atrás e vi que precisava apenas de um pacotinho de fermento e sal. Em casa, misturei todos os ingredientes e coloquei para assar. Quando tirei do forno – acho que tive sorte de ser um forno bom – saiu um pão dourado, bonito… Eu fiquei maravilhado com aquele negócio. Afinal, era possível fazer em casa um pão bem melhor que o do supermercado. E assim começou a história. Fiz pão novamente na semana seguinte, e na outra, e na outra… Desde então venho fazendo toda semana. Já são 7 anos fazendo pão.
Você chegou a fazer cursos?
Não. Eu passei a comprar livros, ver vídeos no youtube, conversar com uma pessoa aqui outra ali. Cheguei a falar com um padeiro de lá que tinha uma padaria comunitária.
Como surgiu o projeto Pão da Casa?
Antes do pão da casa, tem o meu envolvimento com a Casa da Videira, uma associação voltada para a agricultura urbana que busca responder duas perguntas básicas: Primeiro, conseguimos dar conta do nosso próprio lixo? E, segundo, conseguimos produzir nossa própria comida dentro de um contexto urbano?
A ideia de reduzir a quantidade de lixo é algo que também já me acompanhava da época que morei na Inglaterra. Em parceria com a Casa da Videira, passamos a pensar como não jogar o lixo pra fora de casa. Então, lembramos como nossos avós faziam. Eles tinham galinhas, então trouxemos galinhas e minhocas para fazer compostagem. A partir daí criamos uma horta e tínhamos ovos. Em seguida vieram as cabras, e então o leite, e por aí vai… O Pão da Casa entra nessa história. O pão é o resgate dessas artes tradicionais. O projeto tem esse nome porque nasceu no contexto da Casa da Videira, na tentativa de resgatar o contexto em que ele sempre existiu.
E qual foi o resultado dessa experiência?
Passados quatro anos, nós conseguimos responder as perguntas. Nós somos capazes de dar conta do nosso lixo e conseguimos produzir nossa própria comida. E chega um momento que você quer ter um alimento de qualidade, um ovo de qualidade, e se a indústria não oferece isso você tem que ir atrás. É a mesma coisa com o pão e cerveja. Resultado: você passa a produzir o que for possível, cria uma horta, faz escolhas para melhorar cada vez mais a alimentação.
Em uma postagem na página de vocês aparece “o pão da casa é um negocio que pode ter sentido além do lucro” o que você quis dizer com isso?
Sou professor da área de administração. Em geral reduzimos qualquer forma de associação organizacional, o que podemos chamar de empresa, a dar lucro e dinheiro. O que há além do lucro? A questão aqui é você transformar uma iniciativa de associação de pessoas em algo que vá além desse fim financeiro e que possa também gerar vida, vida boa. E ai você começa a questionar qual o lucro que precisa ter. Talvez não seja muito. E aí entra as questão dos limites. Porque o modelo de negocio orientado para o lucro nunca tem fim, sempre quer mais.
Uma grande cervejaria sempre quer vender mais cerveja. Então é preciso que você faça mais. Já a nossa perspectiva, tanto da Casa da Videira quanto do Pão da Casa, é chegar em um momento e dizer “está bom”. E esses limites são dados pela comunidade, pela vida.
No momento em que eu começo a fazer muito pão e isso começa a atrapalhar a minha relação com meus filhos, minha esposa, minha família e o tempo que eu preciso e quero estar com eles, esse é o limite. E isso eu não quero.
O que você pretende passar com o projeto?
O Pão da Casa é uma panificadora relacional. Mais importante do que as relações comerciais são as relações pessoais. O pão hoje é um pretexto, serve para encontrar pessoas e pra investir naquilo que realmente tem valor, que são os amigos. O que é riqueza? Casa, dinheiro… Será que é? Eu não acho. Eu posso me reduzir ao fazer pão a ganhar dinheiro apenas, mas isso é extremamente pobre. O que é uma organização que vai além do lucro, do dinheiro? É isso, é relacionamento!
E como surgiu a parceria com a Bodebrown para fazer os pães?
Através da amizade. Só estou aqui por isso. Quando eu morava na Inglaterra, comecei a estudar sobre a história do pão e acabei descobrindo que essas duas artes, de fazer pão e cerveja, sempre andaram muito próximas. Os insumos são basicamente os mesmos: o cereal, a água e a levedura. Uma está em estado sólido e a outra em estado líquido. E quando eu descobri que para fazer o pão se usava a levedura da cerveja, pensei em aprender a fazer cerveja também. Descobri que na Bodebrown estavam dando cursos. Conheci o Samuel e na apresentação eu disse que fazia pão e estava lá para aprender mais sobre a cerveja, para fazer pão e cerveja como pão de malte. Entre uma conversa e outra, nasceu nossa amizade. Não entrego pão em nenhum outro lugar.
Qual a quantidade de pães é fabricada hoje em dia pelo projeto?
Há um ano eu fazia 6 quilos de pães por semana, pra família e amigos mais próximos. Hoje em dia faço 40 quilos por semana e conto com a ajuda do meu grande amigo André Toledo, que foi meu aluno na 1⁰ turma de Introdução à Panificação. Ele vai toda semana fazer pães comigo. Mas estou no meu limite pelo estilo de vida que escolhi.
Para a produção dos pães de malte, qual malte é utilizado?
Para os pães de malte, às vezes pego malte na Bodebrown e às vezes pego o malte minha própria produção de cervejas em Witmarsum [colônia na região de Ponta Grossa, no interior do Paraná) que são as Heffe-Weiss, Witbier, APA, e Saint Arnould n° 6 da Bodebrown.
E quais são as novidades em 2015 com o Pão da Casa?
A ideia é fazer um curso por mês de introdução à panificação. Além disso, quero realizar um avançado para quem já fez esse curso inicial. Minha relação com o pão é muito mais pessoal do que comercial.
Confira abaixo uma receita de pão de malte úmido e levedura cervejeira do Rene. E bom pão e cerveja para você!
Ingredientes:
- 500 g Farinha (100%)
- 325 g Água (65%)
- 100 g Malte humido (20%)
- 10 g Sal (2%)
- 50g de levedura cervejeira (10%) composto por:
- 25 g Farinha
- 25 g Cerveja coletada preferencialmente no segundo dia de fermentação
Modo de fazer:
A forma de preparo está disponível no vídeo abaixo.
[Esse texto é uma contribuição da amiga Ghenifer Morais, de Curitiba, para a seção de guest posts do BarDoCelso.com. Trata-se de um espaço aberto para quem quiser publicar materiais contando um pouco das suas experiências cervejeiras. Quer participar também? Entre em contato pelo e-mail [email protected] que eu explico tudo! Valeu, Gheni!]
Update (30 minutos depois da publicação): Foi só jogar esse post nas redes sociais, que soube por meio do Luiz, da DUM Cervejaria, que o Rene está também envolvido em um projeto de crowdfunding para o desenvolvimento de uma novo tipo de mini moinho de trigo, bastante específico e interessante. Vale a pena dar uma olhada no site do projeto e divulgar isso por aí, gente. E, claro, se puder contribuir, será ótimo!
https://www.youtube.com/watch?v=OirN1Hj0_h4
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