Na época em que foi lançado “A Literatura na Poltrona” eu havia acabado de deixar a Oficina de Produção Literária do jornal Rascunho, que tinha as “aulas” ministradas justamente pelo autor do livro, José Castello. Fiquei mal com aquilo. Estava num momento ruim e me sentia entre a tentativa de ser escritor e a obrigação de ser jornalista. Na festa de lançamento, ao pegar o autógrafo, comentei com Castello que era um dos seus “alunos” e tinha desistido. Só. Ele me ouviu atenciosamente, apesar da fila de pessoas atrás de mim esperando por um rabisco e um pouco de atenção também. Na dedicatória ficou assim: “Curitiba, 07/08/07. Para o Celso, esperando pelo seu reposicionamento! O abraço do José Castello”.
Aquilo me marcou. Reposicionamento, com ponto de exclamação. Fiquei remoendo a questão, certo de que Castello esperava de mim um retorno importante. Sabia que teria que escolher, algum dia. Sua dedicatória pedia que desse uma chance para a literatura, para a minha literatura, para lhe dar voz. Havia tanta coisa naquela palavra. Funcionava quase que misticamente. Afinal, ele era um escritor, e fazia literatura até na dedicatória, pensei. O máximo!
Ainda na euforia do momento, mostrei o livro para uma amiga. Queria saber o que achava. Contei do encontro, do que ele escreveu e como adivinhou meu momento pessoal, como pedia minha volta –não que eu fosse ou seja grande coisa como escritor. Ela leu, releu, leu novamente. “Onde você leu isso?”, me perguntou. Apontei. “Não, coração, está escrito reaparecimento”. Li também, não querendo acreditar. A letra dele não é das melhores… Mas, de fato, o que estava lá é reaparecimento. Minha empolgação foi pelo ralo.
De qualquer forma, o caso não saiu da minha cabeça enquanto lia o livro. Aos poucos, entendi que a obra tratava justamente dessa leitura pessoal, dessa escritura pessoal, desse susto, disso que chamamos literatura. Ao longo dos 15 ensaios, sempre com histórias pessoais e memórias, Castello dá um panorama bastante amplo sobre sua visão do que é a literatura e jornalismo sobre literatura (ou jornalismo literário, como prefere chamar).
O mais interessante, pelo menos para mim, é a visão “interna” de Castello, que contraponho com a visão “externa” de muitos autores que buscam explicação no social para responder a esse tipo de questionamento. Tudo no livro leva a crer que a literatura é um experiência pessoal, íntima, e até inconsciente, de autor e de leitor. “Há algo de íntimo e intransferível que, por fim, sustenta a literatura. Algo que escapa aos dois lados do jogo literário, escapa ao leitor e escapa ao escritor”, afirma. Esse mistério é um dos pontos principais da “teoria” de Castello.
Outro aspecto interessante diz respeito ao choque, ao impacto, que a literatura deve causar no leitor. Isso deve ser significativo, mexer conosco, nos transformar. Afinal, “para que mais alguém lê um livro senão para se transformar?”, pergunta. E conta uma história pessoal. “Lia e relia, e quanto mais lia, mais inquietação ele me causava. Aquilo –Aquele choque, aquela colisão de sentimentos e palavras– é o que mais me importava no livro de Defoe. Lendo ‘Robson Crusoe’, aprendi (sem saber que aprendia) o que é literatura. Isso sim, e nada mais, é literatura. O estilo, o domínio da língua, as referências cultas –o ‘bem escrito’– não passa de uma conseqüência. É o veículo, quando não passa de decoração. A literatura é outra coisa, é coisa bem mais forte, e mais séria”.
Diria que aquele mistério é o responsável por eu trocar reaparecimento por reposicionamento, e que é esse tipo de susto que levei ao ler a dedicatória na minha edição. Diria, por fim, que ali havia literatura. Alguns só vêem coincidência e confusão.
Se você quer ler mais sobre o livro, veja essa resenha no Digestivo Cultural. Muito boa.
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