Desde o dia em que uma massa de pão deixada ao relento foi encharcada pela água da chuva, fermentou e se transformou em cerveja, a humanidade passou a tentar não só reproduzir a fermentação, mas, principalmente, aprimorar os métodos para obtê-la.
Algumas bebidas rústicas, produzidas até hoje por povos indígenas, fazem parte dessa cultura de fermentação. Elas possuem lugar de destaque em suas culturas e são peças fundamentais em festividades e rituais desses povos. Variedades e tipos de cervejas indígenas dependem não só dos costumes, mas também de recursos locais.
Que tal conhecermos alguns desses parentes da cerveja atual? Uma boa oportunidade para matar a curiosidade e prestar uma homenagem ao Dia do Índio, comemorado neste domingo, 19 de abril.
Chicha e Quinoa
A chicha é uma bebida feita pelos Incas a partir do milho. Para prepará-la, o cereal era moído e umedecido na boca, pois a saliva humana era um dos ingredientes fundamentais do processo. A explicação científica é que o nosso líquido bucal tem enzimas que ajudam a quebrar as moléculas de amido do milho, transformando-as em açúcares menores que a levedura possa modificar em álcool. Ou seja, um processo muito semelhante ao da cerveja de cevada!
A bebida era tão importante que existiam até escolas, denominadas Acllahuasis, onde as mulheres (e apenas mulheres!) aprendiam toda a técnica de fabricação. Já o consumo era mais democrático, a chicha podia ser bebida por toda a tribo. Por seu efeito alcoólico, estava normalmente associada a experiências místicas, rituais religiosos e de passagem. Hoje a produção de chicha é rara, pelo menos do modo mais tradicional.
No entanto, no sul da Bolívia há uma comunidade indígena chamada Aymara que produz e comercializa cervejas feitas com quinoa. O grão cresce em abundância na região e já era um velho conhecido dos Incas, que o utilizavam algumas vezes no lugar do milho. Existe ainda a “rota da quinoa”, uma rede de 1.500 quilômetros de rodovias que ligam os departamentos de La Paz, Oruro e Potosi, onde 48.500 toneladas do cereal são produzidas anualmente.
Tejuíno e tepache
Na região do México encontramos o tejuíno, que como a chicha é feito de milho, e o tepache, fabricado a partir de frutas cítricas, principalmente abacaxi com casca e tudo.
A origem exata do tejuíno é controversa, mas se sabe que é de tempos pré-colombianos. Conhecido como “bebida dos deuses”, tem inúmeras variações de consumo, podendo ser encontrado até com gelo, limão, sal e muita pimenta. Algo semelhante ao drink de cerveja que conhecemos por michelada.
O tepache também é muito encontrado ainda hoje nas comemorações mexicanas, como Dia da Independência, festas religiosas e o Carnaval Huejotzingo. Resumindo, toda data é uma excelente desculpa para provar o tepache.
Há diversas outras bebidas de comunidades indígenas, como o pulque, ou octli, produzida a partir da fermentação do agave – o mesmo cacto que dá origem à tequila! E, para não deixar os Maias de fora dessa história, há também o balché, fermentado de mel e casca de uma árvore leguminosa específica da região.
Cauim
Aqui no Brasil temos o cauim, produzido a partir da mandioca e a produção é semelhante à da chicha. A mandioca era cozida, em seguida, as mulheres da tribo se reuniam ao redor do recipiente, mascavam a pasta e cuspiam novamente no líquido.
Tomar cauim significava abrir as portas da percepção. Por isto os homens não podiam participar da produção. Havia a crença que o toque masculino faria a bebida perder seus poderes premonitórios.
O Cauim também era usado em diversas festas, como a comemoração do nascimento de um novo membro da tribo, a perfuração do lábio, cerimônias mágicas antes e depois das guerras e o cultivo da terra. Não beber não era uma opção, já que isso traria acontecimentos ruins para a tribo.
Caxiri
A bebida é preparada em grandes quantidades durante os trabalhos coletivos, como a derrubada ou plantio das roças e tem ainda lugar cativo nas tradicionais comemorações indígenas. Assim como o cauim, o caxiri só pode ser preparado por mulheres e é feito a base de mandioca, mas com algumas peculiaridades.
O preparo inicia com escolha e colheita da mandioca brava. Após isso, o ingrediente base do caxiri passa por um processo de limpeza, com o descarte da casca. A mandioca é passada no ralo para que se obtenha a massa pastosa e misturada com água.
Segundo a tradição, a massa deve ser cozida em panelas de barro, no fogo a lenha e ser mexida constantemente. O cozimento dura de 24h a 48h, pois a mandioca tem uma substância que, quando ingerida crua, pode provocar intoxicação. O teor alcóolico da bebida vai depender desse tempo de fermentação. É indicado que, depois de cozida, a massa da mandioca descanse por apenas três dias. Dessa forma, o caxiri poderá ser ingerido até mesmo pelas crianças.
Fontes: Heineken Brasil, WikiHow e Festín de Sabores
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