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Ondjaki lança “Bom Dia Camaradas” em Curitiba

* [Passeando pela internet achei uma resenha no jornal Rascunho do livro “Bom dia Camaradas”, do escritor Angolano Ondjaki. Fiz uma entrevista com ele para a Gazeta do Povo (isso! Saiu no impresso) e Gazeta do Povo Online em Agosto, quando ele veio para o Brasil. Confiram abaixo (estou usando os itálicos colchetes para comentários que não pertencem ao texto original)]

Ondjaki, em umbundu, uma das línguas faladas em Angola, quer dizer guerreiro. Um pseudônimo forte para um escritor simpático — até no sotaque lusitano, que optou-se por manter nas suas respostas para esta entrevista concedida por e-mail. Pois o guerreiro das letras de Angola estará lençando livro e falando sobre literatura nesta quarta-feira, em Curitiba [isso foi no dia 23/08/06] .

Seu nome verdadeiro é Nadlau de Almeida, nasceu em Luanda no ano de 1977, é licenciado em Sociologia e considerado um dos nomes de destaque da literatura angolana [achei dois sites dele. Confiram aqui e aqui]. Ele veio ao Brasil participar da Festa Literária de Parati (Flip) e lançar a edição brasileira do livro “Bom Dia Camaradas” (Agir, R$ 29,90, 144 págs.). O livro conta a história de um grupo de crianças de classe média que viviam em Luanda no final dos anos 1980, período de guerra civil.

Membro mais jovem da União dos Escritores Angolanos, Ondjaki já lançou diversas obras. É autor do livro de contos “E se Amanhã o Medo”; dos livros de poesia “Actu Sanguíneu” e “Há Perdisajens no Xão”; da novela “O Assobiador” e do romance “Quantas Madrugadas tem a Noite”.

Nesta quarta-feira (23), Ondjaki estará em Curitiba para uma sessão de autógrafos e uma conferência sobre o tema “Oralidade e escrita: cantar com as palavras quietas” no Centro de Línguas e Interculturalidade (Celin) da Universidade Federal do Paraná. O evento começa às 16h30 e a conferência está marcada para às 17h.

Gazeta do Povo Online – Como você começou a escrever? Alguma influência da família?
Ondjaki – Comecei, se bem me lembro, com poesia, em diários meus. Mas não é possível conhecermos esse momento com exactidão, pois escrever não é rabiscar no papel. A escrita começa dentro, na sensibilidade.

Se há influência familiar directa? Penso que não. Mas nós somos também, fruto da nossa educação e há muita coisa do meu mundo que começou em casa, com os meus pais, as minhas irmãs, a minha avó. A família está em toda a parte.

O que o motiva a escrever?
São os sonhos, as preocupações, mas também a simples vontade de contar uma estória.

Você começou com artes plásticas. Hoje é pintor, escritor e cineasta (com especial interesse pelos documentários). Se considera um Multiartista?
Já não pinto. De vez em quando ainda brinco com pastel de óleo, mas é para dar a amigos ou familiares. Procuro escrever roteiros e documentários. Mas tudo isso são desculpas para exercitar a sensibilidade. A minha casa é a escrita. Não, não me considero um multiartista. Talvez uma pessoa com a necessidade de aprender a aceitar a sua sensibilidade.

Você recebeu em 2000 uma menção honrosa no prêmio António Jacinto (em Angola) pelo livro de poesia “Actu Sanguíneu”. Em 2005 o seu livro de contos “E se Amanhã o Medo” obteve os prêmios Sagrada Esperança (também em Angola) e António Paulouro (em Portugal). Como você os recebeu e qual o impacto que eles tiveram na sua literatura?
Recebi-os com naturalidade. Considerei-os justos e como os escritores, pelo menos alguns, têm problemas de dinheiro, os prémios chegaram em boa altura. Os últimos dois, pelo livro de contos, ajudaram imenso a fazer o meu documentário. Então tudo se complementa. Acho que os prêmios não têm, nem devem ter, impacto na obra de um escritor. Tenho que me esforçar para escrever sempre independentemente disso. E continuar. E sonhar. E acreditar. Como se cada livro fosse de novo o primeiro.

Como classifica a sua literatura?
Não a classifico. Nem saberia fazê-lo, deixo esse trabalho para quem julga que tem essa competência.

O protagonista de Bom Dia Camaradas é uma criança que vive em Luanda num cenário pós-colonial. É sua experiência particular?
Sim, é. Nasci em 1977, dois anos depois da independência de Angola, e tive a oportunidade histórica de viver os primeiros anos de um país independente. O livro é um pouco autobiográfico, mas depois contém elementos de uma certa ficção, para que o livro fosse literário, e não um conjunto de memórias apenas.

Duas coisas chamam bastante atenção em seu livro. Os cheiros e a relação de liberdade que tem com as palavras (você criou até um glossário no livro). Gostaria de comentar?
Os cheiros fazem parte do quintal da sensibilidade. E da memória também. Através de um cheiro viajamos imediatamente para um lugar ou para uma pessoa. Os cheiros, e o trabalho em torno deles, é natural em mim. Não forço, eles aparecem. E eu aceito. O glossário é uma questão de facilitar ao leitor brasileiro a interpretação de alguns termos, porque não quero impedir o acesso à compreensão. O livro está carregado de gíria luandense que o leitor comum brasileiro não domina.

O título de seu livro é bastante sugestivo. Além disso, os cubanos são importantes personagens. Há alguma conotação política? Qual a sua posição política?
Dei o título que me apeteceu sem pensar em conotações políticas. O que há, na estória e na realidade, são implicações históricas. Se o livro fala dos anos 80, ele retrata necessariamente um determinado conjunto de fenómenos sócio-políticos. Estamos a falar de Luanda, dos efeitos da guerra, mas também dos efeitos da Guerra Fria. A minha posição política é desejar que haja diálogo e compreensão, que se diminuam os níveis de corrupção, e que os fenómenos sejam analisados com profundidade em vez de resumidos de modo superficial.

No rodapé do seu e-mail, percebi duas citações de Guimarães Rosa. A literatura brasileira exerce alguma influência em suas obras?
A literatura brasileira tem autores muito bons, que trabalharam os livros com muita seriedade e convicção estética. Isso impressiona-me, como também me impressiona noutras culturas. Com o Brasil existe um diálogo talvez mais fácil, porque se trata, no fundo, da mesma Língua, com referências específicas da vossa cultura, mas, felizmente, com autores que abordam aspectos humanos universais. Li Guimarães Rosa para celebrar a literatura do mundo…

Você também é Sociólogo. Como avalia a situação política de seu país hoje?
Angola é um país em recuperação lenta pelo que passou. A guerra terminou apenas em 2002, e todos os sectores necessitam de algum cuidado e muito investimento, financeiro e humano. Aguardamos também por um novo processo de eleições e só o tempo e a boa vontade das pessoas poderão fazer o país crescer. Os angolanos são um povo de muita esperança.

O Brasil está em época de eleições. Algum comentário?
Não estou suficientemente informado, mas fico muito satisfeito de saber que existe uma mulher entre os candidatos.

Você já tinha vindo ao Brasil? Como foi a participação na Flip?
Já tinha estado no brasil duas vezes, mas este ano venho para lançar o livro, tem sido diferente. Muito trabalho, muitas viagens, muitas entrevistas. Mas fico satisfeito, isso traduz um diálogo entre os nossos países e as nossas culturas. Talvez um pequeno diálogo, mas é mais uma ponte que se estabelece. Gostei de estar na Flip, é uma grande festa, com muitos profissionais e o contacto carinhoso com o público.

Está trabalhando em algum projeto novo?
Estou a terminar um livro de estórias, curiosamente, são sobre Luanda outra vez. E estou a preparar um novo romance.

Entrevista originalmente publicada na Gazeta do Povo e na Gazeta do Povo Online.

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