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Chico Buarque por outro ângulo

Apesar de ser uma só pessoa, Chico Buarque não é um artista que possa ser reduzido somente a uma faceta. Quem faz isso comente um erro. Ele pode ser visto como compositor, cantor, escritor, intelectual, jogador de futebol, etc. Isso para ficar nas mais conhecidas. No entanto, o Chico Buarque que gravou o álbum “Carioca” e que fez show em Curitiba revelou, ou, no mínimo, colocou ênfase num outro ângulo.

Aos 62 anos, o artista que estava diante do Guairão lotado nesta terça-feira (3) não era mais o compositor popular de outrora, nem o cantor político e muito menos o malandro carioca. Esse tipo de expectativa que o próprio passado levanta pode decepcionar quem espera encontrar um artista parado no tempo, pois ele continua criando e, conseqüentemente, se reinventando.

Ali, no centro da cena, Chico Buarque interpretava o poeta, o cronista, o letrista e o músico que, mais sereno que em outros tempos, fez de uma seleção de músicas uma conversa com o público por meio de canções. Ao abrir o show com a música “Voltei a Cantar”, de Lamartine Babo, ele relembra Mário Reis – um de seus ídolos, que usou a mesma canção quando voltou aos palcos após um longo tempo afastado – e diz para a platéia exatamente o que está escrito no título.

Como cronista, nos conta coisas sobre o Rio de Janeiro nas canções “Morro Dois Irmãos” e “Subúrbios”, e aporta em Curitiba. A única vez em que falou diretamente ao público algo mais longo que um “muito obrigado”, foi para dizer que o show continha três músicas (“A História de Lily Braun”, “A Bela e a Fera” e “Na Carreira”) compostas em parceria com Edu Lobo para o espetáculo O Grande Circo Místico, apresentado pela primeira vez em 1982 pelo Balé Teatro Guaíra em Curitiba. Portanto, o espetáculo era também curitibano.

Como artista, homenageia para a platéia o cinema em “As Atrizes” e “Ela Faz Cinema” e ainda nos lembra das trilhas quem compôs ao longo da carreira: “Porque Era Ela, Porque Era Eu”, “Palavra de Mulher”, “Sempre”, “Bye Bye Brasil” e “‘Mambembe”.

Como letrista e poeta, bem, todas as opções acima. Como músico, melodias sutis e trabalhadas – em grande parte devido a direção musical do show e produção do álbum de Luiz Cláudio Ramos –, integração com a banda e um cantar muito seguro, de quem gosta (ou aprendeu a gostar) da profissão.

Para encerrar o show, a escolhida foi a música “Na Carreira”, interpretada pelo cantor Chico Buarque como se quisesse dizer, arrependido dos oito anos de afastamento, mais alguma coisa: “Ir deixando a pele em cada palco / E não olhar pra trás / E nem jamais / Jamais dizer / Adeus”. A música funcionou, mas a despedida não. O artista voltou ao palco mais duas vezes e cedeu aos apelos cantando alguns hits do Chico compositor popular.

Considerando tudo isso, cabe também lançar uma nova luz sobre o título do CD. “Carioca”, rótulo criticado por ser regionalista demais, aqui não parece fazer uma referência ao Rio, mas sim ao próprio Chico, que recebeu a alcunha como apelido quando morou em São Paulo. Portanto, ao que parece, o tema principal do CD e do show é o próprio Chico e sua carreira. Uma reflexão importante para quem quer sempre buscar a novidade, um outro ângulo, uma nova faceta.

 

O carioca na internet

Uma rápida busca pela internet por Chico Buarque pode trazer muito material interessante para quem ainda vai ver ou para quem não conseguirá ver o show. No site oficial, é possível conhecer mais sobre o artista, ler as letras das músicas do novo álbum e ouvir “Carioca” na íntegra.

No site da gravadora Biscoito Fino, além de ser possível comprar o CD, pode-se também fazer o download versões da música “Ode aos Ratos”, remixadas pelo DJ Dolores.

Mas é no YouTube que o potencial da internet se mostra. É possível ver desde trechos de diversas apresentações do show “Carioca” – a maioria gravadas por fãs, muitas com o celular e seguidas de comentários empolgadíssimos (confira no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Berlim) – até músicas completas e bem editadas (veja “Morena de Angola” e “Ela Faz Cinema”).

Também é possível ver no site de vídeos o clipe da música “Ela Faz Cinema” e o trailer do documentário “Desconstrução”, que mostra os bastidores da gravação do novo CD.

Outras pérolas podem ser encontradas também: há um trecho do 3.º Festival Internacional da Canção (de 1.968) apresentado no Vídeo Show de 1988; Vídeos das músicas “Homenagem ao Malandro” e “A Volta do Malandro”, da “Ópera do Malandro”; a música “Roda Viva”, interpretada por Chico Buarque e o grupo MPB4; e “Pois é”, por Chico e Elis Regina.

[texto originalmente publicado na Gazeta do Povo Online]

4 comentários em “Chico Buarque por outro ângulo”

  1. Mais um detalhe importante para completar a matéria… O Chico é lindo… e tem uma presença de palco única!! Viva o Chico.
    Beijos

  2. Dado que não pude comparecer, visto que os ingressos haviam se esgotado há muitas, agradeço por matar minha curiosidade sobre como foi o espetáculo!
    Show!
    Abraço

  3. Celsão, como tu disseste, Chico realmente não é mais o “compositor popular de outrora”, o que é profundamente decepcionante para mim, admiradora de seu trabalho.. digo isso porque, dados os preços violentamente caros para que se participasse do show, é mais que oportuna a pergunta que alguma mente iluminada espalhou ao redor do Guaíra: “música popular?” E emendo: popular, pra quem? Pra grande massa do povo brasileiro, a quem ele deve o sucesso que tem hoje, certamente que não..
    Por isso, agradeço-te pela acuidade e profundidade com que comentaste o show do Chico! Acima de tudo, realmente, parece ter sido um belo espetáculo.
    Grande abraço!

  4. Oi Ucha,

    O preço dos ingresso realmente não foi nada popular. Isso impediu muitos dos que queriam ver o Chico de perto (ou de longe, como foi o meu caso no segundo balcão). Principalmente, não possibilitou a entrada principalmente de mais jovens e universitários, que foram se não a maioria no show, foram um público relevante.

    Me pergunto o que seria do show com outra cara. Com preço menor e talvez com mais sessões (só três em Curitiba e um mês no Rio não parece justo), por exemplo. Até que ponto é o artista que define essas coisas e até que ponto ele quer optar por uma ideologia popular? Não estou querendo responder nenhuma dessas perguntas, apenas lançar no ar a inquietação.

    Quanto a resenha, fico muito agradecido pelos elogios (tantos seus quanto do Bob). Definitivamente não é pra tanto, mas eu procuro fazer o máximo dentro do possível.

    Espero que voltem pra tomar mais umas…

    Abraços

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